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segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O chamado da Floresta

Todo aquele despertar de velhos instintos, os mesmos que em certos periodos impelem os homens a sair do barulho da cidade e procurarem as florestas e pradarias pelo prazer de matar animais com bolinhas de chumbo quimicamente propelidas, a sede de sangue, a alegria de matar - tudo isto surgira dentro de Buck, só que nele era uma sensação infinitamente mais intima. Ele estava avançando à frente da alcatéia, perseguindo um animal selvagem, cuja carne era viva e saborosa; e queria matar com seus próprios dentes e molhar o focinho até os olhos no sangue quente. 
Há um êxtase que marca o apogeu da vida, um ponto além do qual a vida não pode mais se erguer. E a vida é tão paradoxal, que este êxtase chega quando a sentimos em sua maior plenitude, e ao mesmo tempo ele se torna um esquecimento total de que estamos vivendo. Este êxtase, este esquecimento da existência, derrama-se com frequência sobre o artista, que é capturado e arrastado para fora de si mesmo em um lençol de chamas; recai sobre o soldado, enlouquecido pela guerra em uma batalha acirrada, que não dá nem pede quartel; e infundiu-se inteiramente em Buck, na liderança da matilha, soltando o velho grito de combate dos lobos, esforçando-se para capturar aquele alimento vivo que fugia velozmente diante dele, refletindo a luz da lua. Seu grito revelava as profundezas de seu caráter, e as partes de sua natureza que eram mais profundas do que ele próprio, aqueles instintos e sentimentos que retornavam ao ventre do Tempo. Estava dominado pelo puro esplendor da vida, a maré do ser, a alegria perfeita de cada músculo, junta e tendão, percebidos simultaneamente em separado e em conjunto, aquele ressurgir interior de tudo que contrariava a morte, que brilhava e se erguia, expressava-se em movimento e voava exultantemente sob as estrelas e sobre a superfície morta da matéria inerte e imóvel.


O chamado da Floresta, Jack London 1896