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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

De onde vem a calma.

A solidão é o momento que você se encontra consigo mesmo sem medos. E, sem medos, começa a se limpar de todas as feridas que o mundo te fez. Quando a mão está pesada mas é preciso retirar a ferida que descasca e ainda provoca dor, aí você tem medo de descobrir que está mais ferido do que supõe. 
Em alguma parte da cidade jaz alguém aflito pela ausência, e a sua perna que ainda não descobriu uma maneira de doer menos.
O coração, que é um músculo, também está ferido. A sujeira do mundo contamina os átrios. Em qual pátria se deixou perder?
A solidão existe pra você colocar a mão na própria pele e ir descascando todas as fraquezas. A memória que você guarda, seus fracassos e um futuro incerto.
A solidão vai te ferir em momentos específicos da vida. Vai sentar com você em cadeiras de casas de veraneio, vai correr com você por ruas alegres de finais de semana também alegres, vai abraçar seu corpo no meio de um dia febril. A solidão vai te acompanhar em rotações, dias, horas, minutos e segundos. Vai ferir sua autoestima, golpear seu estado mental que já não anda muito bom. 
A solidão dói porque me mostra que a sutura não muda. Passam-se anos, árvores continuam sendo podadas, o petróleo no golfo se esparrama, transsexuais continuam a morrer exiladas em culpas patriarcais e tudo se desmancha. 
Quando eu estou sozinha no meu quarto o mundo se desmancha. A vida derrete. Meu corpo se debate e não acredita que ainda está aqui, vivo.
A solidão vai coexistir em meio à felicidade clandestina dos que "se amam".
Isso é só um aviso: a solidão muda de casa, engatinha pelas ruas do bairro, ciranda nas praças, instala uma primavera, finca um mês no seu pescoço, desaba uma semana, reverbera.
A solidão serve pra curar você de si mesmo. Daquilo que seu corpo abarcou na viagem entre a sua casa e o terror do mundo. Você viveu, foi exposto, feriu, foi ferido. Agora você volta para casa. Agora você entra no banheiro. Agora você coloca a cabeça debaixo d'agua rezando pra ela te afogar. E você se limpa.
Acaba o tumulto, a tremedeira, o suor frio, o pensamento de morte eminente e a dor latente. Os remédios anestesiam.
E você repete como um mantra: tá tudo bem.

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